Hoje eu vou dar uma interrompida na série 'Diário de viagem' para fazer uma homenagem mais que merecida.
Uma homenagem pra alguém que chegou na minha casa em meados de Setembro de 2001 só com 40 dias de idade, dentro de uma caixa de leite porque nós ainda não estávamos totalmente preparados para recebê-la.
Alguém que demorou pra aprender a dormir sozinha sem ninguém por perto ou um rádio ligado.
Que quando foi dar seu primeiro passeio no Parque do Ibirapuera, conseguiu escapar das mãos da minha mãe e foi mergulhar no lago atrás dos patos que lá estavam. E que quando via uma pomba na rua, saía correndo feito louca tentando caçá-la.
Que fazia festa, abanava o toco do rabo e saía latindo e correndo pela casa quando alguém abria a porta da cozinha e falava: oi Bella.
Que quando fazia xixi fora do lugar, sabia muito bem que tinha feito coisa errada e tentava amolecer a bronca com aquele olhar de baixo para cima, como que tentando dizer: me desculpa!
Uma homenagem pra alguém que mesmo passeando mais ou menos 20 minutos por dia, num caminho com muitas ladeiras ainda tinha energia o suficiente pra brincar quando chegasse em casa.
Alguém que uivava quando a gente dizia o nome dela em voz de ópera, fazendo um biquinho engraçado com a boca.
Que soltava pêlos por toda a casa, colocava o focinho no lixo quando íamos jogar algum resto de comida, tentando pegar alguma coisa com a língua. E a gente falava: caramba, parece vira-lata! E que quando voltava do banho, chegava em casa toda feliz e contente, pois sabia que todo mundo ia acariciá-la, pois ela estava extremamente cheirosa.
Alguém que adorava ir no colo e deixava a gente segurá-la como se fosse um bebê recém-nascido, nos olhando com uma pureza tão grande mas tão grande, que eu tenho certeza que se ela pudesse falar ela diria: obrigada por esse carinho. Aliás... eu sei que você estava pensando isso na segunda-feira quando fiquei te fazendo carinho.
Que sempre virava de barriga pra cima, esperando que a gente passasse a mão ou pé enquanto ela ia pegando pouco a pouco no sono. E ai se parasse o carinho, ela acordava na hora resmungando e pulando no nosso colo.
Que mesmo não gostando de tomar banho com a gente, ficava quietinha no chuveiro enquanto íamos passando o shampoo e enxagüando com a água quentinha.
Alguém que ficava com a patinha em cima da nossa mão, como querendo dizer: por favor, não para de me fazer carinho, tá?
Que adorava ficar deitada na porta do meu quarto ou ainda do lado da minha cama. E que dormia comigo, com a cabeça apoiada na minha bunda, me esquentando melhor que qualquer cobertor que existe no mundo. E agora que chegou o inverno, quem vai me esquentar desse jeito?
Que roncava quando dormia.
Alguém que nunca viu maldade nas pessoas, se abrindo com qualquer um que fizesse um aceno ou falasse: nossa, que bonitinha.
Alguém que conseguiu destruir TODAS as caminhas que teve ao longo desses 11 anos, porque ela não conseguia deixá-la no lugar. Ela obrigatoriamente tinha que carregar a cama pra todos os cantos da casa.
Alguém que eu tinha certeza que mais cedo ou mais tarde ia começar a falar comigo, de tão humana que ela era.
Que já estava ficando meio surdinha, mas ainda sim era só falar 'Bella' e ela vinha correndo.
Alguém que ficava atrás de mim ou de qualquer pessoa que estivesse em casa, nos seguindo por onde a gente fosse. Quantas e quantas vezes tropeçamos em você, porque você parecia a nossa sombra?
Enfim, essa é uma homenagem a alguém que foi muito amada, muito cuidada, muito querida, muito simpática. Mas mais que isso. Foi alguém que nos ensinou a amar e que vai fazer a maior falta do mundo!
Bellinha, eu te amo!
E espero que você tenha percebido isso enquanto viveu conosco!
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segunda-feira, 25 de junho de 2012
segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011
Minha primeira grande perda

Na sexta-feira da semana retrasada era meu último dia de férias do meu trabalho e minha mãe me acordou da seguinte maneira: filha, se acalma.
Esse tipo de frase tem o efeito contrário. É a mesma coisa se eu disser: NÃO PENSE NUMA MAÇÃ. O que você vai fazer? Pensar em uma maçã, é claro.
Quando ela disse isso, eu dei um salto da cama. Minha avó (mãe da minha mãe) está doente, com anorexia nervosa, então todo mundo da família meio que esperava alguma tragédia.
- O que aconteceu mãe?
- Filha, fica calma, tá bom?
- MÃE, pelo amor de Deus o que tá acontecendo?
Ela não conseguiu segurar o tom de voz firme e foi chorando que ela me disse:
- Seu avô faleceu, filha.
COMO ASSIM? Meu avô? Até 10 dias antes ele estava aqui em São Paulo na minha casa, sorrindo, consertando um monte de coisa que estava quebrada no meu apartamento, fazendo minha avó comer. COMO?
Instantaneamente eu comecei a chorar. Comecei a chorar MUITO. Minha mãe me abraçou, meu padrasto entrou no meu quarto segurando um copo de água com açúcar na tentativa de nos acalmar:
- Como aconteceu, mãe?
- Ele não estava se sentindo bem minha filha. Disse a sua avó que seria bom os dois irem ao pronto socorro. Pegou o carro, andou 4 quadras, tirou o pé do acelerador, fez um barulho e morreu. Infarto fulminante, foi na hora.
Meu choro aumentou mais ainda. Fiquei imaginando minha avó, que anda tão fraca passando por isso, vendo o companheiro de 57 anos sem vida bem ao lado dela. Eu chorava, minha mãe chorava, o telefone não párava de tocar.
No mesmo dia, eu, meu pai e meu irmão fomos para Peruíbe. O velório seria no mesmo dia e sábado de manhã seria o enterro.
Quando entrei na casa dos meus avós (que estava cheia de parentes, amigos da Igreja e pessoas querendo dar uma força) e vi todos os instrumentos do meu avô do jeitinho que ele havia deixado (olhei um a um os instrumentos: os violinos, o teclado, o bandolim, a harpa que ele restaurou com tanto carinho), quando vi minha vó sentada no sofá com aquele olhar perdido e as pessoas em volta dela, a sensação que eu tive foi que entrei numa espécie de sonho bizarro. Não queria chorar na frente da minha vó, queria ser forte para poder consolá-la, mas quando ela veio me abraçar foi impossível controlar:
- Ana, você sabe que seu avô te amava muito, não sabe?
- Sei vó... eu também amava muito ele.
O velório foi horrível é claro. Entrar na Igreja onde meu avô ia todos os Domingos cheio de vida, com todos os hinos ensaiados para tocar lá na frente... entrar na Igreja e vê-lo deitado num caixão, sem vida, roxo, gelado, só a carcaça... não dava pra acreditar, simplesmente não dava! O tempo todo repetia pra mim mesma: essa é a cena mais surreal da minha vida.
Não consigo esquecer o rostinho da minha avó quando ela chegou perto do corpo do meu avô. Passava a mão no rosto dele, beijava sua testa e olhava fixamente para ele, acho que na tentativa de acreditar que aquilo estava realmente acontecendo.
O pastor da igreja chorou ao tentar falar algumas palavras; meu irmão tentou fazer um discurso em nome dos netos, mas não conseguiu terminar. Em volta do caixão, fotos do meu avô VIVO. Tocando violino, tocando sua harpa, ao lado da minha vó, ao lado dos netos, ao lado das filhas. Eu olhava para o corpo sem vida e olhava para as fotos... tão diferente, tão triste.
No dia seguinte, o enterro. Quando você acha que não dá pra ficar pior, fica. Por mais que a gente saiba que aquilo que está no caixão não mais tem vida, é apenas o que restou da pessoa, dói muito quando precisa fechá-lo. Minha vó, pela primeira vez desde que meu avô tinha morrido, começou a chorar. O cortejo até o cemitério. Não podia estar acontecendo comigo. Eu sempre via essas coisas do lado de fora e dava graças a Deus por não passar por aquilo, por ter todos os meus avós vivos. O cemitério ele tinha escolhido um dia que foi passear lá com a minha mãe e minha tia. Falou que queria ser enterrado lá. Era um cemitério velho onde os mortos não são enterrados e sim colocados numa espécie de gavetinha. Minha tia uma vez disse:
- Credo pai, não quero enterrar você aqui. Que cemitério horroroso!
- Horroroso minha filha? Que nada! Olha que lugar lindo, no meio das montanhas, perto do mar
Minha avó passava a mão no caixão antes de ser enterrado e dizia: Tchau meu amor. Eu te amo, logo logo a gente se encontra. E chorava... que cena horrível!
Ficar na casa com a minha avó para fazer companhia não tem sido fácil. A presença do seu Nylthon é muito marcante em cada canto daquela casa. As boinas que ele costumava usar estão todas penduradas no mancebo, num canto da sala. O roupão continua na porta do banheiro. A oficina que ele tanto amava ficou do jeito que ele tinha deixado. Alguns canos estão cortados e amarrados em elásticos, pois ele estava construindo um daqueles sinos de vento, uma das especialidades manuais do meu avô. As fotos dele sorrindo estão espalhadas por todos os cantos da casa. A sensação que se tem é que a qualquer momento ele vai entrar pela sala e dizer:
- Oh netos... que bom ter vocês por aqui!
Mas apesar de toda essa tristeza, me consolo por algumas coisas:
- Meu avô morreu da maneira mais digna que tem. Sem dor, sem doenças, sem sofrimento e ao lado da mulher que ele mais venerava no mundo! Melhor que isso, só morrer dormindo.
- Alguns dias antes dele falecer, ele foi ao geriatra e tinha sido diagnosticado com Alzheimer. Uma das irmãs dele está numa casa de repouso há ANOS com esse mesmo mal e é tão triste você viver sem saber quem é, sem reconhecer a família, os amigos. Precisar de ajuda pra comer, ir ao banheiro, tomar banho. Meu avô não precisou passar por nada disso. A dor dele olhar para nós e não nos reconhecer seria muito mais doloroso do que a sensação que estamos tendo agora.
- Antes dele morrer, deu tempo de comemorar 80 anos ao lado dos amigos, bem, totalmente lúcido. Viajou para Buenos Aires com minha vó, minha mãe e meu irmão. Passou o Natal com a família, assistiu minha apresentação do TCC. Ele estava tão feliz que eu tinha terminado a faculdade, que o meu irmão ia começar a dele. E de quebra, ainda passou 10 dias aqui em São Paulo com a gente.
O que dói mesmo... é a saudade que temos de você, vô!
Nylthon Salles (09/11/1930 - 4/02/2011)
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